“Era um menino de quatro anos, soltaram as mãos dadas durante os minutos em que a mãe precisou de experimentar um casaco de malha, precisou de ver-se ao espelho.”
Comecei ontem a ler “Autobiografia”, de José Luís Peixoto, autor português contemporâneo que, sem dúvidas, merece espaço nas nossas bibliotecas…
Logo nas primeiras páginas do livro, deparei-me com o trecho acima e com essa sutil diferença entre o português brasileiro e o lusitano: a omissão (ou não) da preposição “de” entre o verbo “precisar” e um verbo no infinitivo.
O verbo precisar (no sentido de necessitar), ainda que tenha registro histórico como transitivo direto, consagrou-se como transitivo indireto regido pela preposição “de”. Assim, dizemos: Preciso DE você; Estamos precisando DE trabalho; Todos precisam DE amor…
Ocorre que, quando o complemento do verbo é uma forma infinitiva, observa-se, no Português do Brasil, uma preferência pela omissão da preposição. Ex.: Preciso estudar (em lugar de “Preciso de estudar”). Sei que há regiões brasileiras em que se faz uso da construção com a preposição, mas não é o que tem sido consagrado por aqui… Cegala (1999, p. 327) chega a dizer que “precisar, na acepção de ter necessidade, necessitar, constrói-se, modernamente, com objeto direto se o complemento é um infinitivo. Ex. O país precisou fazer empréstimos”. (O grifo é meu)
Pessoalmente, tenho dúvidas quanto à definição de “fazer empréstimos” como um objeto direto. Prefiro entendê-lo como um objeto indireto sem preposição, seguindo a mesma lógica que nos leva à possibilidade de entender um objeto direto com preposição (CLIQUE AQUI). Mas isso é assunto para outra postagem…
Voltando ao uso ou não da preposição antes do infinitivo, vejam que, como comprova o trecho de José Luís Peixoto acima transcrito, entre os nossos irmãos lusitanos parece não haver a mesma preferência vista entre nós, brasileiros. Ou seja, lá se usa a preposição “de” com o verbo precisar, independentemente de o complemento do verbo ser ou não uma forma infinitiva (precisou de experimentar, precisou de ver).
Vale destacar, ainda, que, quando o objeto indireto (agora, falo não apenas no caso de complemento do verbo PRECISAR, mas de muitos outros transitivos indiretos) é uma oração introduzida pela conjunção integrante QUE, é muito comum – e inclusive abonada no registro formal – a omissão da preposição: Exemplos: “Eles insistiram em que o problema poderia ser resolvido”; “Preciso de que você me ajude.”; “Eu creio em que Deus cuida de nós.”.
OBSERVAÇÃO: Quanto a esse último ponto, meu querido professor José Carlos de Azeredo, em sua primorosa Gramática Houaiss (2008, p. 313), alerta que “a preposição EM é obrigatória junto a uma classe de verbos cujo complemento significa algo a ser atribuído ao sujeito: O defeito desse projeto está (reside, consiste etc.) EM que ele só beneficia os grandes latifundiários.” E mais adiante lembra, ainda, que a preposição A permanece antes da conjunção integrante se o verbo for pronominal: “O treinador opôs-se A que o repórter entrevistasse os jogadores.”
Acrescento, ainda, que alguns verbos, sobretudo bitransitivos, costumam ser mais resistentes a essa omissão da preposição antes da oração objetiva indireta introduzida pela conjunção integrante QUE. Assim, é mais recomendável que, em construções como “Ele convenceu o pai de que poderia sair”, a preposição seja usada.
Por hoje é só. Preciso de fazer outras coisas por aqui… rsrs
Beijinhos,
Patrícia Corado
REFERÊNCIAS
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. São Paulo: Publifolha, 2008.
CEGALLA, Domingos Paschoal. Dicionário de dificuldades da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
Leily
Postado 00:39h, 07 julhoShow!!
?❤️
Língua Minha
Postado 20:51h, 18 outubroObrigada, Leily!
Beijos,
Patrícia
Rogerio Carneiro Campello
Postado 13:49h, 24 fevereiroDomingos Paschoal Cegalla. Estudei muito nos livros dele, adotados pelo meu colégio, Santo Inácio, do qual era professor. Conhecia-o só de vista, pois não fui seu aluno; alguns colegas foram.. Também li a versão dele para o Édipo Rei, de Sófocles. .Velhas recordações.
Rogerio Carneiro Campello
Postado 00:41h, 29 fevereiroProfessora, isso também não vale para o verbo evitar?
Rogerio Carneiro Campello
Postado 03:26h, 01 marçoNão. Esquece a pergunta. “Evitar de” não tem em português. Mas já vi isso escrito. Provavelmente por galicismo.