Preposição ou conjunção?

Quem é professor sabe que uma das delícias da nossa profissão é admirar o voo dos nossos alunos. A minha aluna (e amiga) Érica Portas do Nascimento nos honra hoje com este artigo. Espero que vocês gostem tanto quanto eu gostei! Uma verdadeira aula da minha queridíssima Érica!

 

Preposição ou conjunção?

 

Algumas preposições, principalmente as acidentais, que não fazem parte da regência de nomes ou verbos, fazem as vezes de conjunção e, por isso, é comum que, diante de frases como “malgrado ela estudar, não passou”, não saibamos se estamos diante de uma preposição ou de uma conjunção, já que ambas são conectivos.

 

Então, para que sanemos tal dúvida, vamos descobrir a diferença entre preposição e conjunção. Para tanto, começaremos falando sobre as conjunções.

 

Bem, as conjunções podem ser conectores coordenativos ou subordinativos. As conjunções coordenativas tendem a ligar termos com a mesma função sintática, no caso das aditivas, da alternativa “ou” e da adversativa “mas”, bem como ligar orações estruturalmente independentes.

 

Vamos exemplificar:

 

A) Gosto de bolo e chocolate.

 

Percebamos que o “e” coordena, ou melhor, liga elementos com a mesma função, já que “bolo” e “chocolate” são complementos do verbo gostar.

 

B) Estudei, portanto passei.

 

Vejam que o “portanto” conecta orações sintaticamente independentes. Podemos marcar tal independência pondo um ponto entre as duas cláusulas: Estudei. Portanto passei.

 

Explicada a função dos conectores coordenativos, falaremos agora sobre os subordinativos.

 

As conjunções subordinadas transpõem orações independentes ao papel de substantivo, adjetivo ou advérbio de outra oração:

 

C) Eu disse que ela viria.

 

Percebamos que a oração “que ele viria”, por meio do “que” passa a funcionar como um substantivo da oração “eu disse”, tanto que pode ser substituída por um pronome, como os substantivos.

 

As preposições, como as conjunções subordinativas, também são transpositores e, por isso, é muito comum confundi-las, sobretudo pelo fato de que palavras de  origem adverbial ou adjetiva podem ora funcionar como conjunção, ora funcionar como preposição. É o caso de segundo, conforme, malgrado, não obstante

 

As preposições, como as conjunções coordenativas, podem relacionar palavras. No entanto, a preposição, diferentemente das conjunções coordenativas, subordina a palavra que introduz ao termo a que tal palavra se liga:

 

D) Gosto de bolo e chocolate.

 

O e liga bolo e chocolate, pondo-os no mesmo nível sintático, ao passo que, se colocarmos uma preposição no lugar do “e“, chocolate passa a ser um termo subordinado ao substantivo bolo:

 

E) Gosto de bolo de chocolate.

 

Tanto é assim, que a estrutura “de chocolate” passa a adjetivar o substantivo bolo.

 

Logo, a diferença entre uma conjunção coordenativa que liga palavras e uma preposição é o fato de que a preposição subordina o substantivo ao termo a que ele se liga.

 

Porém, as preposições acidentais podem confundir-se com as conjunções subordinativas, conforme já falamos.

 

A PRIMEIRA diferença se estabelece pelo fato de as preposições transporem palavras e as conjunções subordinativas não:

 

F) Segundo Mariana, todos passaram.

 

Observemos que, nesse caso, “segundo” é uma preposição, pois não está introduzindo oração.

 

Diferentemente do caso abaixo:

 

G) Segundo Mariana disse, todos passaram.

 

Nesse caso, “segundo” é uma conjunção, pois está introduzindo uma oração.

 

Mas não qualquer oração, uma oração finita (desenvolvida).

 

O que quero dizer é que as preposições, como as conjunções subordinativas, também podem transpor orações a termos subordinados. No entanto, há uma diferença básica: as preposições transpõem apenas orações não finitas, ou seja, as constituídas por verbos no infinitivo (orações reduzidas de infinitivo):

 

H) Malgrado ela estudar, não passou.

 

Ao passo que as conjunções subordinativas transpõem orações com verbos finitos:

 

I) Malgrado estudasse, não passou.

 

Neste momento, é fundamental que distingamos o INFINITIVO do FUTURO DO SUBJUNTIVO (INFINITIVO X FUTURO DO SUBJUNTIVO) para que não incorramos em erro na hora de analisar se estamos diante uma preposição ou conjunção:

 

J) Conforme Maria falar, vamos fazer o bolo.

 

Veja que o verbo falar está no futuro do subjuntivo. Se o substituirmos por FAZER x FIZER, veremos que vamos usar o futuro do subjuntivo “FIZER”. Logo, “conforme”, naquele caso, é uma conjunção.

 

Também precisamos ficar atentos às orações comparativas, casos em que o verbo fica implícito:

 

Ela é bela como a mãe (é). Nessa situação, o “como” não está transpondo um substantivo a uma estrutura subordinada, mas toda a oração. Assim, estamos diante de uma conjunção e não de uma preposição.

 

Em suma, as preposições transpõem substantivos a estruturas subordinadas, formando as famosas locuções adjetivas e adverbiais: as locuções são estruturas “preposição + substantivo” que, não exigidas pela base a que se ligam, exercem função sintática de adjunto adnominal, caso tenham como escopo um elemento substantivo, ou adjunto adverbial, se tiverem como escopo um adjetivo, um advérbio ou um verbo (Amor de mãe é forte. /Conforme Maria, todos foram à festa.)

 

E transpõem as orações não finitas a membros de outras orações: Não passou não obstante estudar.

 

 

Conjunção subordinativa Preposição

Não subordina palavras

Subordina palavras substantivas, formando as locuções adjetivas ou adverbiais.

Subordina orações não finitas (desenvolvidas)

Subordina orações finitas (reduzidas)

 
 

– Não obstante chova, vou à praia. (Conjunção, introduz oração subordinada finita)

 

– Não obstante chover, vou à praia. (Preposição, introduz oração subordinada não finita)

 

– Segundo Maria falou, vamos à festa. (Conjunção, introduz oração subordinada finita)

 

– Segundo Maria, vamos à festa. (Preposição, subordina apenas a palavra substantiva ao verbo, não uma oração a uma outra oração)

 

Érica Portas do Nascimento

Mestra em Letras (Língua Portuguesa) – UERJ

Doutoranda em Letras (Língua Portuguesa) – UERJ

Tags
CONJUNÇÃO, PREPOSIÇÃO
5 Comentários
  • Lourrany
    Postado 21:46h, 20 março Responder

    Olá, professora! Obrigada por compartilhar essas explicações. Estou tentando compreender, mas há uma palavra que repete-se ao longo de todo o texto, cuja incompreensão não me permite entender o restante. Trata-se da palavra transpor, que foi usada em trechos como “As conjunções subordinadas transpõem orações independentes ao papel de substantivo, adjetivo ou advérbio de outra oração”, “A PRIMEIRA diferença se estabelece pelo fato de as preposições transporem palavras e as conjunções subordinativas não” e “O que quero dizer é que as preposições, como as conjunções subordinativas, também podem transpor orações a termos subordinados”. O que quer dizer “transpor” nesse contexto? Quando eu tento interpretar como transformar, não vejo sentido na segunda frase que citei. Agradeço a ajuda!

  • Língua Minha
    Postado 09:53h, 24 março Responder

    Oi, Lourrany! Obrigada pelo seu comentário! Transpositores são elementos que colocam uma oração em nível de equivalência com um nome. Eles se diferenciam dos conectores, uma vez que esses últimos estabelecem vínculos semânticos e até agramaticais, mas não fazem com que uma oração se comporte (sintaticamente) como um termo substantivo da outra (que é o que o transpositor faz). Então, quando falamos em “transposição” aí no texto, estamos nos referindo a esse processo de subordinação da oração. Entende?

  • Luciano
    Postado 20:38h, 20 junho Responder

    Artigo maravilhoso! Parabéns à Érica e parabéns à Patrícia!

  • Daniela Santos
    Postado 22:54h, 18 agosto Responder

    Ótimas informações! Qual a fonte utilizada para a elaboração do pôster? Obrigada.

  • Maria Aparecida Damasceno Netto de Matos
    Postado 13:03h, 19 outubro Responder

    Sou mestra em Linguística Descritiva e doutora em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais.Parabéns, Érica. Sua explicação é fantástica! Precisamos de professores como você, sabedores da língua materna.” Aprender o Português, não é uma prenda, é um dever”, assim dizia Júlia Lopes de Almeida. Doutores, como você, engrandecem a nossa Pátria e nossa profissão.Fala-se muito em abandonar a Gramática Normativa. São os néscios da Língua.Para mim, não há Gramática sem Linguística, nem Linguística sem Gramática. Mais uma vez meus parabéns.
    Um abraço.

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