Hoje o Língua Minha tem a honra de receber o Prof. Dr. André Nemi Conforte, meu amigo querido, professor e pesquisador de excelência indiscutível (Plataforma Lattes)! A conversa com André é sempre uma aula! Fiquem com ele.
Português – uma língua difícil?
Prof. André Conforte*
É bastante comum que nós, professores de Língua Portuguesa, ao revelarmos nossa profissão, ouçamos de nossos interlocutores declarações do tipo: “Ah, mas o português é uma língua muito difícil, nunca consegui aprender essa matéria direito”, etc.
Em face dessa questão, a pergunta que eu dirijo ao meu caro e eventual leitor é: será mesmo o português uma língua difícil, ou, pelo menos, mais difícil do que outras que porventura tenhamos estudado?
Bem, como resposta ao meu interlocutor frustrado com a própria língua materna, costumo responder com o seguinte argumento: “É estranho que você ache isso, pois estamos conversando já há um bom tempo e, no entanto, estamos nos entendendo perfeitamente, e tudo isso em português mesmo, e não em outro idioma”.
É claro, querido leitor, que assim como meu interlocutor você já deve estar contra-argumentando: “Ah, sim, a gente se faz entender, mas cometendo erros, violando as normas da gramática” etc.
Insisto: será que o querido leitor, de fato, fala “errado”?
Expliquemos: o problema é que meu interlocutor faz uma ligeira confusão entre a língua que fala (e que conhece e domina perfeitamente, pois é capaz até de fazer trocadilhos altamente criativos com ela, contar piadas, argumentar…) e a chamada variedade padrão dessa língua (aquilo que, de um modo geral, chamamos de norma culta). Essa variedade padrão é apenas uma das facetas dessa língua múltipla, e, de fato, só se aprende por meio de estudo e de leitura, quando não de prática escrita constante e sistemática. Tem alto grau de artificialidade mesmo, e só em alguns pontos coincide com a língua que falamos no dia a dia. Pode-se viver perfeitamente sem ela para as atividades cotidianas mais corriqueiras, mas a chamada norma culta, incluindo sua modalidade escrita, se faz necessária, e muito, como fator de inserção social e de acesso a uma cultura mais letrada e sofisticada.
Sabemos todos que é papel, principalmente, da escola transmitir a todos os cidadãos esta variedade da língua. Ao contrário do que muitos pensam, ela não se encontra necessariamente nos textos literários (muito pelo contrário, vários escritores a subvertem), mas sim, e principalmente, nos textos da mídia impressa, ou seja, jornais e revistas de grande circulação.
Sabemos também, no entanto, que as políticas educacionais em nosso país sempre fracassaram no suposto intuito de introduzir seus cidadãos no domínio da norma padrão. Daí a baixa autoestima do falante nativo em relação à sua própria língua, que ele julga não dominar, quando na verdade a domina muito bem, apesar das dificuldades com a variedade que se distancia em muito de sua fala cotidiana (perfeitamente legítima para seus propósitos, não nos esqueçamos).
Como, infelizmente, não podemos esperar muito de nossos governantes, é melhor fazermos a nossa parte, “correndo por fora”: a leitura diária de bons livros, jornais e outros veículos impressos certamente aumentará nossa intimidade com a norma padrão da língua, variedade que pode até ser artificial, monitorada, mas que é altamente necessária para que nos sintamos cidadãos de fato, senhores plenos de nossa expressão linguística.
* Professor adjunto de Língua Portuguesa da Uerj
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